Ela nasceu na Ucrânia, no ano de 1930. Por
10 anos viveu uma infância tranquila, mas em 22 de Junho de 1941 sua vida
começava a mudar radicalmente. Um bombardeio às 4 horas da madrugada anunciava
que a guerra havia chegado para ela. Num ato instintivo, Maria e sua mãe se
escondiam debaixo da cama sem nenhuma razão lógica, apenas emocional, de quem
sente que sua vida precisa ser protegida.
Aquela infância ficou para trás e o sentido
de sobrevivência falava mais alto, pois durante a guerra não se sente medo,
apenas coragem para resguardar a vida, como diz Maria. Quem sabe como é passar
a noite na floresta mergulhado num rio, apenas com a cabeça para fora,
esperando uma oportunidade para escapar dos soldados alemães, que prendiam
civis e os levavam para Alemanha a trabalho? Maria sabe! Esta foi sua experiência
com apenas 13 anos de idade!
Ela e sua família tinham uma sina: escapar e
resistir para depois voltar para casa. Mas quanto mais insistiam nesta investida
mais longe ficavam de seu objetivo, até que o destino os levou a Viena, na
Áustria, através de um trem fechado, onde muitos iguais a Maria mantinham-se
apertados sem saber para onde os levavam. Pura incerteza, mas resistia Maria!
De 1943 a 1945, ela trabalhou junto à mãe
num hotel destinado a abrigar famílias de oficiais alemães. Agora Maria, já com
seus 15 anos, limpava, cozinhava e conhecia a solidariedade de uma cozinheira
alemã que lhe dava comida às escondidas, que logo era dividida entre outros
como nossa Maria. Parece que o ser humano reage com o que tem de melhor em
momentos de extrema dificuldade! Que sorte tem nossa Maria!
Andavam em turma, pois se sentiam protegidos,
e assim viveram até 1949, quando tentando avançar chegaram à Itália. Não tinham
nada, cozinhavam em fogão improvisado com tijolos e a panela era um capacete de
soldado que encontraram no caminho, pareciam moradores de rua e estavam vivos!
Não puderam ficar na Itália, pois lá não recebiam estrangeiros e então Maria e
sua família voltou à Áustria.
Depois de muita resistência surgiu a possibilidade
de ir para outro país, Chile, como queria seu pai, mas Maria recusou-se, sem
saber por que, só sabia que não queria ir para lá. Parece que Maria sentia que
seu destino estava no Brasil, pois quando este novo caminho se apresentou ela não
teve dúvidas.
Em Fevereiro de 1949, Maria e sua família embarcou
para o Brasil. Depois de 15 dias de viagem num navio, chegaram à Ilha das
Flores, no Rio de Janeiro. No dia 16 de Março de 1949, Maria estava onde queria!
Do Rio partiram para Campo Limpo, uma cidade
do interior de São Paulo e instalaram-se num galpão com outras pessoas. Sua
família recebeu ajuda de custo até conseguir se estabelecer. Depois de um tempo
mudaram-se para Osasco.
Já em São Paulo, Maria conseguiu emprego
numa fábrica de rádio para automóveis, Telespark. Pelo seu bom trabalho
conquistou respeito e dinheiro. Ajudava no sustento da família e, assim,
puderam comprar um terreno e construir uma casa, e a vida continuava seu
trajeto.
Mas nem tudo era trabalho! Maria gostava de
cinema e não dispensava um baile, e é desta forma que ela chega a São Caetano
do Sul. No centro, na Rua Santa Catarina, dançava até as 4 horas da madrugada
num salão mantido por imigrantes ucranianos. Num destes bons domingos conheceu
Volodymyr, também imigrante. Em novembro de 1955 se casaram e vieram morar em
São Caetano do Sul, no Bairro Santa Maria, onde já vivia uma irmã dele.
No começo a casa tinha reboque apenas por
dentro, o piso ainda de cimento sem nenhum revestimento. Os móveis do casal se
resumiam em um guarda-roupa, uma cama de molas e um colchão de algodão duro,
tudo comprado num brechó! O fogão? Uma espiriteira e pronto! O enxoval de Maria
era guardado em caixas. Não tinham luz elétrica, nem água encanada, mas um poço
resolvia o problema! Vizinhos? Quase nenhum!
Maria logo ficou grávida e todas as manhãs
caminhava com seu marido até a estação de trem de Utinga. Continuava
trabalhando na Telespark e tudo era sacrificado, especialmente pelo trem lotado
com a barriga cada vez maior. Mas Maria resistia! Em agosto de 1956, nascia em
casa, de parto normal, pelas mãos de uma parteira, sua filha. Dois anos depois,
também em casa, dava à luz a seu filho.
Com o nascimento da filha precisou sair do
trabalho, pois não havia creche e alguém próximo que pudesse cuidar do bebê.
Ela deixou seu emprego sem na verdade querer, mas sua responsabilidade de mãe
falou mais alto.
Uma vida de muita luta e sacrifício, que
valeu a pena, pois hoje esta mulher só sabe dizer que detesta pessoas que falam
em guerra, para ela tudo pode ser resolvido pelo diálogo. Acredita que quando
um país é invadido não se tem muita escolha, mas quando não, cada um pode viver
em paz com seu vizinho. Orgulha-se de sua casa que hoje a protege, assim como
sua família. Acredita que este é um país abençoado e gosta muito da cidade onde
vive, pois não lhe falta nada.
Sente-se vitoriosa e, com orgulho, afirma que
o que a salvou não foram as jóias nem o dinheiro, mas a vida! Acredita que a
inteligência é nosso Deus, pois através dela podemos vencer muitos obstáculos.
Diz que podia hoje ser uma pessoa louca por causa dos horrores da guerra, mas
na verdade está lúcida e agradece ao seu pai por tê-la protegido o tempo todo.
Maria é um exemplo de força, coragem,
lucidez e resistência!
Esta é a história de Maria Deckij Voloshyn,
minha mãe.
No dia 2 de Junho de 2013 Maria faleceu. Deixou-nos com saudades e a certeza de que a vida é a maior dádiva que podemos ter. Valeu, mãe!
Ilustração: foto do acervo pessoal
Este texto faz parte da Antologia "de Maria a José", onde 20 autores pertencentes a Academia Popular de Letras da Biblioteca Paul Harris contam histórias de pessoas que, pelo seu valor humano, escolheram homenagear. Este livro foi lançado em Fevereiro de 2012 pela Secretaria de Cultura de São Caetano do Sul.
© Direitos reservados a Ala Voloshyn
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Fiquei com tanto receio em concluir, pq desde do inicio da leitura acreditei que "Maria" ifoste a sua mãe, daí no final deu um friozinho... Que alívio, realmente minha intuição foi confirmada: Maria sua mãe. Tudo se explica. Assim entendo pq é tão maravilhosa... Um excelente referencial. Parabéns Maria por representar com tanta dignidade as Marias do Brasil, mundo, planeta!!! Viva as essas Marias, parabéns mamães!!!
ResponderExcluirViva as Marias! Viva as mulheres!! Força, coragem, sentimento. Obrigada querida, Simone.
ExcluirQue saudades...
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